Autora: (Adriana Falcão) A primeira letra do alfabeto é também a primeira letra da palavra amor e se acha importantíssima por isso. Com A se escreve "arrependimento" que é uma inútil vontade de pedir ao tempo para voltar atrás e com A se dá o tipo de tchau mais triste que existe: "adeus"... Ah, é com A que se faz "abracadabra", palavra que se diz capaz de transformar sapo em príncipe ou vice-versa... Com B se diz "belo" - que é tudo que faz os olhos pensarem ser coração; e se dá a "benção", um sim que pretende dar sorte. Com C, "calendário" que é onde moram os dias e o "carnaval", esta oportunidade praticamente obrigatória de ser feliz com data marcada. "Civilizado" é quem já aprendeu a cantar "parabéns pra você" e sabe que é "contrato": você isso, eu aquilo, com assinatura embaixo. Com D, se chega a "dedução", o caminho entre o "se" e o "então"... Com D começa "defeito", que é cada pedacinho que falta pra se chegar a perfeição e se pede "desculpa", uma palavra que pretende ser beijo. E tem o E de "efêmero", quando o eterno passa logo; de "escuridão", que é o resto da noite, se alguém recortar as estrelas; e "emoção", um tango que ainda não foi feito. E também tem "eba!" uma forma de agradecimento muito utilizada por quem ganhou um pirulito, por exemplo. F é para "fantasia", qualquer tipo de "já pensou se fosse assim?"; "fábula" uma história que poderia ter acontecido de verdade, se a verdade fosse um pouco mais maluca; e "fé" que é toda a certeza que dispensa provas. A sétima letra do alfabeto é G, que fica irritadíssima quando a confundem com J. A letra G é para "grade", que serve para prender todo mundo - uns dentro, outros fora; G de "goleiro, alguém que se pode botar a culpa do gol; G de "gente": carne, osso, alma e sentimento, tudo isso ao mesmo tempo. Depois vem o H de "história": quando todas as palavras do dicionário ficam à disposição de quem quiser contar qualquer coisa que tenha acontecido ou sido inventada. O I de "idade", aquilo que você tem certeza que vai ganhar de aniversário, queira ou não queira. J de "janela", por onde entra tudo que é lá fora e de "jasmim", que tem a sorte de ser flor e ainda tem a graça de se chamar assim. L de "lá", onde a gente fica pensando se está melhor ou pior do que aqui; de "lágrima", sumo que sai pelos olhos quando espreme um coração, e de "loucura", coisa que quem não tem só pode ser completamente louco. M de "madrugada", quando vivem os sonhos... N de noiva, moça que geralmente usa branco por fora e vermelho por dentro... O de "óbvio" não precisa explicar... P de "pecado", algo que os homens inventaram e então inventaram que foi Deus que inventou. Q, de tudo que tem um não sei quê de não sei quê. E R de "rebolar" o que se tem para fazer prá chegar lá S de "sagrado" tudo o que combina com uma cantada de Bach; de "segredo", aquilo que você está louco pra contar; de "sexo", quando o beijo é maior do que a boca. T é de "talvez", resposta pior do que "não", uma vez que ainda deixa, meio bamba, uma esperança... De "tanto", um muito que até ficou tonto... de "testemunha": quem, por sorte ou por azar, não estava em outro lugar. U de "ui", "ai que ainda é arrepio; de "último", que anuncia o começo de outra coisa; e de "único": tudo que, pela facilidade de virar nenhum, pede cuidado. Vem o V, de "vazio", um termo injusto como a palavra nada; de "volúvel", uma pessoa que ora quer o que quer, ora quer o que querem que ela queira. E chegamos ao X, uma incógnita... X de "xingamento" que é uma palavra ou uma frase destinada a acabar com a alegria de alguém; e de "xô", única palavra do dicionária das aves traduzidas para o português. Z é a última letra do alfabeto, que alcançou a glória quando foi usada pelo Zorro... Z de "zaga", algo que serve para o goleiro não se sentir o único culpado; de "zebra" quando você esperava liso e veio listrado; de "zíper", fecho que precisa de um bom motivo para ser aberto; e de "zureta", que é como a cabeça fica no final de um dicionário inteiro. .................................................................................................................................................. Adriana Falcão nasceu no Rio de Janeiro, mas foi criada em Recife. Seu primeiro livro, voltado para o público infantil, "Mania de Explicação", teve duas indicações para o Prêmio Jabuti/2001 e recebeu o Prêmio Ofélia Fontes - "O Melhor para a Criança"/2001, da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil. Em 2002, publicou "Luna Clara & Apolo Onze", seu primeiro romance juvenil. Seu romance "A Máquina" foi levado aos palcos por João Falcão. Na televisão, Adriana colaborou como roteirista em vários episódios de "A Comédia da Vida Privada", "Brasil Legal" e "A grande família" e "Mulher", todos da Rede Globo. Adaptou, com Guel Arraes, "O Auto da Compadecida", de Ariano Suassuna, para a TV, posteriormente levado ao cinema. Seu livro "O doido da garrafa", Editora Planeta do Brasil - São Paulo, lançado em abril/2003, contém pequenos contos publicados na revista "Veja Rio" no período de 2001 a 2003.
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