Friday, June 1, 2007

POEMA: CAMPO DE FLORES

Deus me deu um amor no tempo de madureza,quando os frutos ou não são colhidos ou sabem a verme.Deus-ou foi talvez o Diabo-deu-me este amor maduro,e a um e outro agradeço, pois que tenho um amor.Pois que tenho um amor, volto aos mitos pretéritos e outros acrescento aos que amor já criou.Eis que eu mesmo me torno o mito mais radioso e talhado em penumbra sou e não sou, mas sou.Mas sou cada vez mais, eu que não me sabia e cansado de mim julgava que era o mundo um vácuo atormentado, um sistema de erros.Amanhecem de novo as antigas manhãs que não vivi jamais, pois jamais me sorriram.Mas me sorriam sempre atrás de tua sombra imensa e contraída como letra no muro e só hoje presente.Deus me deu um amor porque o mereci.De tantos que já tive ou tiveram em mim,o sumo se espremeu para fazer vinho ou foi sangue, talvez, que se armou em coágulo.E o tempo que levou uma rosa indecisa a tirar sua cor dessas chamas extinta sera o tempo mais justo. Era tempo de terra.Onde não há jardim, as flores nascem de um secreto investimento em formas improváveis.Hoje tenho um amor e me faço espaçoso para arrecadar as alfaias de muitos amantes desgovernados, no mundo, ou triunfantes,e ao vê-los amorosos e transidos em torno,o sagrado terror converto em jubilação.Seu grão de angústia amor já me oferece na mão esquerda. Enquanto a outra acaricia os cabelos e a voz e o passo e a arquitetura e o mistério que além faz os seres preciosos à visão extasiada.Mas, porque me tocou um amor crepuscular,há que amar diferente. De uma grave paciência ladrilhar minhas mãos. E talvez a ironia tenha dilacerado a melhor doação.Há que amar e calar.Para fora do tempo arrasto meus despojos e estou vivo na luz que baixa e me confunde. Carlos Drummond de Andrade

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